É
noite salpicada de estrelas, cortada de chuvas...é norte, sul, que
importa?
Já
se ouve o badalar dos sinos anunciando a hora em que milhões de
pessoas, agitando-se em sentimentos distintos ou comungando dos mesmos
ideais, reunem-se em suas igrejas, em torno de mesas postas, no seio de
famílias pobres ou ricas,
porque
é Natal.
Os canhões
cessam de cuspir suas balas, os homens param de medir sua potência
bélica e guardam suas armas, ainda que por momentos apenas, prestando
uma homenagem ao menino Deus, que muitos deles nem mesmo sabem quem foi,
ou o que fez por amor à humanidade.
Nos
becos e avenidas, em silêncio ou com alarde, alguns choram a falta
de muitos, vítimas da brutalidade das guerras, da pressa, da cupidez
ou da ignorância, enquanto poucos lembram do amor que deveria sempre
existir entre os povos.
E
em meio a tudo isto, eu não entendo, Senhor, o porque de somente
vinte e quatro horas de harmonia, no meio de trezentos e muitos sofridos
e suados dias, em que a maioria dos homens se acotovela, se desama e se
ignora, quando o mundo precisava tanto de um Natal diário.
Um Natal
em que cada árvore verde simbolizasse a esperança que ainda
deve caber nos corações dos seres humanos, em que cada bola
colorida representasse um sonho realizado, em que em cada um de nós
nascesse um novo Cristo, destinado a nos tornar melhores, solidários
com as alegrias e dores do próximo, batalhadores incansáveis
contra os choques sem freios, as mesquinharias e os ódios.
E
em meio a esta trégua momentânea, eu não entendo, Senhor,
o valor da paz por um dia, da confraternização fictícia
e comercial ditada, muitas vezes, mais por um costume do que pela crença
verdadeira, se no outro amanhecer, voltaremos às desinteligências,
à busca sôfrega do poder, às lutas por causas injustificáveis.
E
em meio à toda esta festa, eu não entendo, Senhor, o valor
dos presentes, dos vinhos e comidas, das missas festivas, dos enfeites
na janela e das roupas novas, se não nos lembramos de que o verdadeiro
espírito de Natal não está nisto, mas sim, como nos
foi ensinado pelos Reis Magos há tantos anos, na nossa presença
junto de quem amamos, no apoio que podemos dar a alguém, e que valeriam
infinitamente mais que os caros vidros de perfumes ou jóias preciosas.
E
é por isto, Senhor, que eu Te peço não permitir que
nós, com nosso egoísmo, deixemos que o Natal, festa de amor,
se limite a uma só noite de degustação , de trocas
de favores, de satisfação de desejos de crianças ricas,
ou de um paliativo
à
miserável existência dos famintos;
E
é por isto que Te peço não consentir que vejamos a
morte o ano inteiro, deixando-a tornar-se uma constante em nosso
mundo e que nos anime a lutar para fazer, desse único dia
de congraçamento, a festa quotidiana da verdadeira e duradoura
paz.
E
é por isto que Te peço, Senhor, que nos anime a lutar pelo
banimento da cobiça, pelo desterro das dores e privações
da maioria, pelo cessar fogo entre os povos em guerra e pelo ressurgimento
da estrela de Belém, que há de nos guiar pelos Natais de
sempre, a um lugar de nossas consciências, onde possamos ser todos
irmãos, sem preconceitos de nenhuma espécie.