Sobre
a carta que não mandei para alguém que nem sei se existiu
Pensei várias
vezes em escrever.
Desisti outras
tantas.
Não
sabia se falaria de mágoa, de dor ou de amor. Mas, como todos
vivem juntos, finalmente me decidi.
E aí começou outra etapa:
ensaiei em
mandar, cheguei a colocar no envelope e a comprar o selo, mas venceu
o amor próprio;
não
mandei.
Prá
que mostrar a ele os machucados causados pela sua pisada no meu ego?
Aliás,
que pisada potente. Chutou o ego e acertou no coração...bem
no meio!
A carta ficou
aqui, entre os meus guardados, meio amassada dentro de uma caixa,
para que eu pudesse esquece-lo mais depressa,
como se "longe
dos olhos, fosse mesmo longe do coração"
(que mentira mais deslavada).
Agora, com
o milagre cibernético, não me custa nada deixar que esta
página role no mundo virtual... Quem sabe, um dia, alguém
a lê e nota que foi o inspirador destas palavras (nossa, como deve
ter gente se identificando ).
Resolvi que
ele (o vil destinatário) deveria saber da existência dela...nem
que fosse para colocar no seu currículo cheio de PHDs um "que" de
cafajestada e um pouco de culpa.
Penso que,
se algum dia souber
que ele
se sentiu culpado
por ter batido tão duro em alguém que só o amou muito,
o meu estado
de espírito vai melhorar.
Na carta em
que lhe escrevi, falava de nós, que para mim era a primeira pessoa
do singular e que para ele, com certeza, era alguma coisa muito difícil
de compartilhar.
Ainda hoje
fico fantasiando o nosso encontro numa esquina da vida, talvez aquela mesma
em que fiquei esperando alguma explicação dele
há anos atrás.
Me vejo atravessando
a rua sem olhar
para o seu
rosto, ou olhando através dele,
um ghost tupiniquim
já fora de moda,
ou passando
ao seu lado e cuspindo com desdém
no chão,
como nos filmes de mocinho e bandido.
Me vejo
sendo apresentada a ele por um amigo comum
e dizendo: "nenhum prazer",
como se nunca
o tivesse encontrado na vida
e nem fizesse
a menor questão de conhece-lo.
Aliás,
nestes sonhos, fico imaginando
se o encontrei
mesmo algum dia...
afinal,
já se passou tanto tempo,
que nem me
lembro mais se isto foi verdade!