QUERO O AMOR
E NÃO A GUERRA
 
Eles eram encontrados nos cinemas, rodando por entre todas as fileiras a procura de moças incautas para molestar e causando, ao mesmo tempo, um misto de pânico e de emoção que trazem as coisas proibidas.

Eles eram temidos nas portas dos colégios quando, com suas  capas pretas que abririam de estalo,  assustavam a garotada - não se sabe bem se de pavor com o que iam ver  ou por conta da curiosidade mal satisfeita de ver só de relance uma performance daquelas.

Eles eram a alegria das mulheres menos afortunadas em matéria de beleza, eufemismo usado  para denominar os “jaburus” que desfilavam pelas ruas da cidade, e que não achavam quem mais elogiasse seus precários atributos.
Feias do jeito que fossem sempre ouviriam, daquelas criaturas, cumprimentos  efusivos , mesmo com  suas anatomias pouco privilegiadas.

“Não aceite nada de estranhos.... não vá a lugar algum mesmo que lhe digam que sua avó  precisa de ajuda”,
era o que me  dizia minha mãe no seu discurso diário, devidamente   orientado  pela mesma cartilha  que  usavam  todas  as mães, avós e tias  de amigas minhas.

Apesar de tantos avisos  e de não aceitar nem drops de quem não conhecesse,  sofri  alguns ataques daqueles destemidos e abusados personagens... cheguei a ameaçar um deles com um tamanco de madeira de salto altíssimo,  no qual eu tentava me equilibrar  naquele dia inesquecível, pois  o homem  que sentou ao meu lado no cinema,  lá pelas tantas,  começou a alisar minhas pernas com tal desenvoltura, que cheguei a duvidar que ele não as tivesse confundindo com as próprias ou as de sua mãe.

A tia de uma amiga minha, que  a  estava acompanhando numa sessão da tarde num dos cinemas do bairro ,  reagiu batendo em um deles com uma bolsa dura, só porque  ele tentou passar a mão no traseiro da garota. E só parou  de  sapecar  o bandido, porque lembrou que seus óculos de grau estavam dentro  e poderiam se espatifar.

Bandido? Nada disto...
Com eles não havia violência,  armas ou coação. Estes homens trabalhavam apenas com o choque  que causavam  em pessoas  desligadas  e satisfaziam-se com o impacto  do susto e  do  insólito da situação.

Imagine você, criança ou adolescente, andando desavisadamente por uma rua e avistar alguém, de capa preta, aparecendo de repente na sua frente com olhar de sátiro e mostrando algo que nem sempre era tão interessante de ver.

É...estou falando dos tarados. Uma classe em extinção  nos dias de hoje  onde, homens pelados ou bolinadores  já não assustam mais ninguém, quanto mais as adolescentes espertas com quem convivemos.

E onde foram parar eles? Como se distraem,  já que as criancinhas do terceiro milênio  já sabem se defender tão
bem ? A quem atacam?

Ninguém mais ouve falar dos coitados, nem das gracinhas (nem tão engraçadas assim), que falavam aos nossos ouvidos e que nos faziam  morrer de raiva mas, ao mesmo tempo, a dar boas risadas quando chegávamos em casa , a salvo deles, contando a aventura.

Era um "must" ser atacada por um tarado. Mocinha  que não tinha sido abordada  por um deles tinha um currículo muito pobre.

Deve ser mesmo um bagulho”, diziam os rapazes,se nem um tarado a quer”...

Mas eu posso lhes dizer que tenho boas recomendações no que se refere ao assunto: fui perseguida por alguns dos  tarados mais conhecidos da cidade. Daqueles sindicalizados e com carteirinha.

E olhem que eu os atiçava só com as  caras de  susto  que  fazia quando eles vinham para o  meu lado. Afinal, tarado que se prezava e levava a sério  o exercício  da tara, adorava dar sustos...e quanto mais de boca aberta você ficava, mais eles se entusiasmavam.

Tinha um deles que já fazia parte  “da porta do colégio” e  que o folclore dizia que tinha sido posto prá correr pela “mère da portaria" (o cacófato é proposital).

Mas a garotada fazia o maior auê quando o via se aproximando, mistura de Jack Nicholson  com o  Conde Drácula, ameaçando abrir a famosa vestimenta, que tinha gente que jurava ser da griffe "Saint Laurent".

Eu, coitada de mim...nunca vi nada. Baixinha que era, sempre era rebarbada pelas mais altas, que ficavam em melhores posições para ver o show que nunca aconteceu...

Tinha os  que freqüentavam o  cinema Roxy, o paraíso dos tarados da minha geração...

 Tinha os especializados em dizer barbaridades nos ouvidos da gente, durante os "footings"   nas ruas e avenidas ...

 Tinha, ainda,  os que circulavam nos ônibus, fazendo o trajeto “ponto final a ponto final”, trabalhando mais do que o próprio motorista ou  trocador e armando confusões quando alguém ousava reclamar dos esbarrões que propositalmente davam nas passageiras;

Enfim, tinha tarado prá tudo que é gosto.

Uma vez minha mãe me deu um alfinetão, daqueles que se usava nos chapéus de antigamente e que fizera a sua elegância nos “tempos da brilhantina”, e me disse para enfiá-lo, sem dó nem piedade, na perna de qualquer safado que me abordasse  com atitudes estranhas, fosse  dentro de cinema, teatro ou nos ônibus cheios.

Nunca tive coragem de usá-lo, pois que à vista de qualquer pingo de sangue eu desmaiava.

Cheguei a ameaçar, com a "tal arma branca", um louco que cutucava uma amiga, quando vínhamos do trabalho,  espremidas no corredor de um ônibus lotado, mas desisti quando ele me olhou com aquele olhar transverso e me disse coisas que só fui entender anos mais tarde.

O tal do homem era expert em esbarrar, passar a mão e encurralar, aproveitando-se da confusão e das freiadas. Parece que, para ele, dois corpos ocupavam o mesmo lugar no espaço e ainda sobrava lugar.

Outro dia comecei a ver que tudo mudara...  me lembrei deles e de que nunca mais os vira.

Cheguei a imaginar que estivessem atacando tão somente  as menininhas e deixando as mais crescidinhas  em paz.

Perguntei para as minhas sobrinhas e filhas de amigas sobre suas atividades, mas elas   me responderam  que nem sabiam direito o que um tarado fazia. Como se trata de meninas bem bem jeitosinhas, fiquei imaginando que, tal qual os dinossauros, os tarados devem ter sido banidos da face da terra.

Deram lugar, provavelmente, aos psicopatas americanos, que entram nos lugares  matando todo mundo sem motivo, aos pipoqueiros traficantes das portas de escolas, aos seqüestradores, que cometem crimes hodiondos por dinheiro, aos homens da serra elétrica, aos estupradores do parque e aos degenerados que,  além de assustar, machucam e causam danos irreversíveis às vítimas.

 Realmente...  com as armas tão  violentas de hoje, um inocente tarado que usava apenas seus parcos e humanos instrumentos  para melhorar a auto-estima e lustrar o  ego das "vítimas", estaria completamente defasado.

Não sei se chego a sentir saudade deles...mas que sinto falta da inocência de suas investidas, isto sinto.

Diante das barbaridades a que estamos expostos nestes tempos, mais vale  um tarado que nos passe a mão do que um seqüestrador, ladrão,  policial e outros menos votados  que nos matem.

Vou fazer um abaixo assinado para que  os tarados retornem ao convívio social...
Quero de volta, com eles,  a minha vida despreocupada e meu direito de ir e vir em paz.


Quero o amor e não a guerra!


 

by Maria Eugênia - Doce Deleite


 

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