Guardo de ti
as memórias, raízes, histórias ...
Guardo de ti algumas
tristezas,
mas tuas belezas envolveram
meus olhos de tal maneira,
que te amei desde a primeira
vez
em que me deparei contigo.
Conheci o teu melhor
ângulo: montanhas, o mar azul, o sol dourado, areias brancas, contornos
e reentrâncias e
me apaixonei irremediavelmente
pois, mesmo sendo tu alguém que pairava acima do sexo ou de
qualquer nexo, eu te olhava extasiada todas as vezes em que, mesmo correndo,
cruzei com tuas paisagens.
Conheci a tua hospitalidade
com gente de todos os credos e raças e conheço a tua capacidade
de sedução.
Sei que tenho rivais,
pois quase todos te amam
e ficam fascinados por
ti...
Mas agora, com tristeza,
estou constatando os teus problemas. Problemas que tu não
tinhas e que foram causados por gente que diz que te ama mas que não
se envergonha de matar e destruir o que tens de bom. Pessoas que se dizem
amigas, mas que não se importam contigo; que pensam que tua
beleza
há de durar
para sempre,
a despeito dos maus tratos...
Denigrem a tua imagem,
confabulam,
alardeiam, não
cuidam, te deixam ao Deus dará.
Exportam
teus predicados, mas mancham teu nome...
Conspurcam tuas areias
brancas com sangue de inocentes, com balas perdidas, com a cupidez desenfreada
que os fazem desejar
cada pedaço teu
com olhares de cobiça.
E nós, que realmente
gostamos de ti sofremos, assistindo silenciosamente a tua queda,
depois de tanta ascensão.
Mas o que fizeram contigo?
foi castigo?
incompetência?
falta de amor?
Vejo com horror o que
se passa...
teu povo crédulo
escolhe mal teus cabeças.
Se deixa enganar por
palavras melosas, mas calculistas.
Vemos que estás
perdida num mar de adversidades, de gente passando fome, da ambição
que leva as intrincadas vielas de teus morros a serem o labirinto
das drogas que matam
teus habitantes.
Não és
mais a bela, a maravilhosa...és a bela decadente, pois hoje agonizas,
embora ainda exuberante, como praça de guerra, no meio de
tanto armamento,
de tanto desmazelo,
onde tombam teus heróis
incógnitos,
com escarcéu
da mídia
e discursos demagógicos
de quem não faz nada por ti.
Já não
podemos sair sossegados às ruas...todos os que tanto te querem
estão confinados entre quatro paredes, enquanto o sol
brilha lá fora e o Redentor
se desespera, ouvindo
os zunidos das balas.
E não é
culpa tua.
Mas quem fez isto contigo?
Porque?
Alguém que só
olha os próprios interesses e não te vê
como uma cidade digna
de respeito...
Quando vou te encontrar
novamente como eras... sem máculas, línguas negras, sem poluição
e poluidores,
sem odores, sem medos?
Quando estes homens que
te usam, mas não te respeitam, vão te deixar novamente ser
a cidade
dos nossos amores
de outrora?
Espero que te ergas...
Espero que nós,
que tanto gostamos de ti, te ergamos, no mesmo tom em que se levantar nosso
grito de raiva contra quem quer te machucar, até que este grito
chegue aos ouvidos
deles,
ricocheteando como os
tiros que nos têm ferido.
Espero que a vergonha
de quem deixou isto acontecer,
nos devolva o nosso Rio
como ele era antes:
a cidade maravilhosa
que eu sempre conheci
e que tanto amo!
Maria Eugênia
- Doce Deleite |